Rumo à contratação estratégica municipal no âmbito da RSE na Europa

Edited on 05/04/2023

Cities4CSR in Portugal

Lições e inspiração do URBACT! As cidades URBACT estão a encontrar maneiras de desbloquear o potencial da contratação pública estratégica para promover a Responsabilidade Social Empresarial.

A ligação entre a contratação pública e a Responsabilidade Social Empresarial (RSE) torna-se cada vez mais importante para as cidades, numa altura em que os desafios estão a aumentar e os recursos públicos são limitados. Então como é que os líderes das cidades podem usar ativamente a contratação estratégica para encorajar as empresas a cumprir as suas responsabilidades sociais e ambientais? O Dr. Steffen Wetzstein, Perito Líder da rede URBACT CITIES4CSR, partilha as experiências recentes das cidades URBACT...

 

Ligar a contratação estratégica municipal e a Responsabilidade Social Empresarial

 

A ligação entre a contratação estratégica municipal e a Responsabilidade Social Empresarial (RSE) pode parecer complexa. Por um lado, os municípios estão sob pressão para adquirir bens, serviços e obras importantes em nome do interesse público e, por outro lado, a RSE consiste em as empresas doarem e contribuírem para causas "além do lucro", em troca de ganhos de publicidade e marketing. Mas será que os líderes das cidades podem utilizar de forma ativa e eficaz os processos e práticas de contratação, para que as empresas cumpram as suas responsabilidades sociais e ambientais? E poderá, afinal, essa influência direta fazer do nosso mundo um lugar melhor?

 

As respostas a essas perguntas são um retumbante SIM! A contratação pode promover diretamente resultados de RSE, permitindo aos municípios informar as suas empresas locais, não apenas sobre o que precisam, mas sobre como querem que seja produzido, fornecido, construído e implementado. Este duplo valor acrescentado não só inspirou a equipa de Milão (IT), Parceiro Líder URBACT, como constitui realmente uma grande oportunidade, tanto para apoiar as nossas comunidades como para salvar o nosso planeta. Mas a ideia está a espalhar-se lentamente. São muitos os obstáculos que precisam de ser ultrapassados, desde desconhecimento, definição de prioridades e falta de competências, até restrições legais, falta de capacidade de gestão e práticas de monitorização pouco desenvolvidas. Um potencial por explorar um pouco por toda parte!

 

Mas há esperança de mudança, porque as comunidades urbanas Europeias de compras públicas e as comunidades de RSE começaram recentemente a estabelecer ligações. Os peritos de renome que representam estas redes - Matthew Baqueriza-Jackson como Perito Líder por trás das redes URBACT Procure and Making Spend Matter, e Valentina Schippers-Opejko em nome da Parceria da Agenda Urbana da UE para a Contratação Pública Inovadora e Responsável - têm partilhado a sua experiência e o seu conhecimento com as cidades URBACT. Ambos participaram  em reuniões com os 10 parceiros da rede URBACT CITIES4CSR, a primeira rede URBACT a capacitar os municípios para promover ecossistemas e práticas de RSE  nos centros urbanos.

 

Este artigo questiona qual é - após dois anos e meio de trabalho dedicado ao projeto URBACT - o ponto de situação da contratação pública municipal, o que foi alcançado até agora e que tipo de obstáculos tiveram que ser ultrapassados.

 

 

Lições das cidades parceiras URBACT

 

 

1. Budaörs, Hungria: espaço para o desenvolvimento de práticas locais


Dois regimes institucionais de contratação determinam as decisões locais em Budaörs. A Lei Nacional de Contratação Pública, que se aplica à aquisição de bens/serviços acima de 15 000 000 HUF (cerca de 40 000 euros), e a investimentos na construção acima de 50 000 000 HUF (cerca de 132 000 euros). As decisões ao abrigo desta lei são lentas, fortemente regulamentadas, e têm uma carga administrativa significativa. Em contraste, as regras de gestão próprias do município aplicam-se a compras abaixo dos limiares acima mencionados. Estas são mais flexíveis, transparentes, têm uma menor carga administrativa e permitem um processamento operacional mais rápido. As atuais regras de gestão municipal são consideradas suficientes.

 

No que respeita à Ação de Pequena Escala (Small Scale Actions – SSA) do URBACT - plantação de árvores e sensibilização e educação do público para as questões ambientais - o atual quadro de contratação foi considerado adequado. Menos satisfatório, no entanto, é o facto de o município não conceder atualmente qualquer importância, preferência ou vantagem a empresas que tenham demonstrado boas práticas de RSE. Parte do problema é que não existe um sistema administrativo eficaz para comparar e avaliar de forma significativa as atividades de RSE das empresas.

 

 

2. Nantes, França: ligação bem-sucedida entre RSE e ODS

 

Para decisões de contratação a longo prazo orientadas para a RSE, Nantes baseia-se em três estratégias. Em primeiro lugar, são definidos inicialmente critérios gerais sociais e ambientais para selecionar as empresas durante os concursos. Em segundo lugar, um plano de aquisições responsáveis, integrando aspetos sociais e ambientais, é amplamente divulgado para informar as empresas das expetativas a serem cumpridas. Em terceiro lugar, e conforme exigido pela legislação francesa e europeia, os critérios sociais e ambientais terão de ser adaptados para se adequarem a “famílias” de aquisições mais específicas e relevantes, tais como a construção e obras públicas, a prestação de serviços, etc.

 

A Ação de Pequena Escala de Nantes, um observatório digital que monitoriza o desempenho das empresas no que diz respeito ao progresso na consecução dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), está atualmente a ser desenvolvida utilizando as melhores práticas de contratação. Apesar de estar abaixo do limiar necessário, decidiu-se realizar um concurso precisamente para permitir a promoção de boas práticas. Seguiu-se uma ampla publicidade digital e a construção de uma grelha de análise objetiva que, para além de critérios sociais e ambientais, integrava também aspetos de competência, atributos de qualidade, custos e prazos. Finalmente, a avaliação das ofertas de potenciais prestadores de serviços foi atribuída a membros selecionados do Grupo Local URBACT (URBACT Local Group - ULG), em nome da abertura e da transparência.

 

 

3. Guimarães, Portugal: aprender a estar alerta e ser flexível

 

O Grupo Local URBACT em Guimarães pretende desenvolver e gerir uma plataforma digital que ligue as redes consolidadas de desenvolvimento económico e desenvolvimento social. A plataforma semiautónoma gerida pelo município pretende tornar-se um mecanismo digital moderno, eficiente e adequado para ligar as organizações representativas das necessidades sociais e comunitárias às empresas que, por seu lado, têm recursos vitais a oferecer. Globalmente, o projeto tem progredido bem, tendo atraído um compromisso financeiro inicial, por parte do município, de 18 000 euros e atingido a sua fase avançada de teste e feedback.

 

No entanto, foram retiradas três lições ao longo do tempo. Em primeiro lugar, manter as opções em aberto em relação ao fornecedor. Desde cedo, a equipa do projeto identificou problemas de feedback e prazos falhados com o seu fornecedor preferido, e acabou por ser forçada a trabalhar com uma organização alternativa. Em segundo lugar, nas próprias palavras das equipas "é preciso ter um defensor político, para cada projeto, e procurar antecipar-se às mudanças políticas". Tendo perdido inesperadamente o defensor do seu projeto, o Conselheiro para o Desenvolvimento Económico, os responsáveis acabaram por ter de convencer diretamente o Presidente da Câmara, tendo perdido quatro semanas no processo. Em terceiro lugar, a gestão do projeto tem de tentar manter-se na linha da frente, antecipando e respondendo rápida e adequadamente aos atrasos quase inevitáveis provocados pelas especificidades dos procedimentos de contratação pública. Felizmente, um departamento administrativo dedicado ajudou com sucesso a ultrapassar estes difíceis obstáculos.

 

 

4. Vratsa, Bulgária: levar o risco mais a sério

 

O município de Vratsa declarou que as regras internas para a gestão do ciclo de contratação são prescritas pela Lei de Contratação Pública. Embora esse processo seja visto como claro e simples, a equipa local de projeto discutiu os riscos de inflação decorrentes do longo intervalo de tempo entre o cálculo dos custos do projeto e o tempo de implementação. A inflação - seguramente um tema incómodo e premente a nível global no futuro - conduz a insuficiências orçamentais e, consequentemente, a uma falta de participantes e a fundos não utilizados devido à insuficiência de recursos financeiros.

 

 

Reflexões, recomendações e ações potenciais

 

  1. Os estudos de caso da rede CITIES4CSR destacam, pelo menos, três lições fundamentais relativas à contratação municipal eficaz e orientada para a RSE. Estruturas rígidas e burocráticas de contratação nacionais podem dificultar a definição e implementação de metas orientadas para a RSE. Um lóbi eficaz a favor de leis nacionais mais flexíveis pode ajudar a inovar.
  2. As capacidades de gestão de projetos a nível local precisam de corresponder à visão e às aspirações, incluindo competências legais adequadas e capacidades administrativas sólidas. A sensibilização, formação especializada e promoção de boas práticas podem melhorar esta situação.
  3. A política tanto facilita como restringe abordagens inovadoras que incorporem considerações económicas, sociais e ambientais locais na contratação. Portanto, as mudanças na liderança política podem constituir o maior risco. A antecipação estratégica e a ponderação hábil destes riscos pode revelar-se essencial. 
     

As diferentes conclusões a que chegamos sobre como a contratação municipal mediada pela RSE progrediu localmente reforçam uma das principais mensagens de Matthew Baqueriza-Jackson: os parceiros não se devem precipitar quando usam a contratação para alcançar resultados de RSE, porque é necessária uma visão estratégica e uma implementação progressiva para alterar o estado das coisas. As lições dos nossos parceiros também sublinham uma das suas mensagens: qualquer evolução das atividades de contratação requer a inclusão de uma série de partes interessadas, incluindo políticos, estrategos, pessoal técnico, responsáveis pela contratação pública e gestores de contratos. Na verdade, podemos necessitar de um sistema de contratação de RSE que funcione bem em todos os departamentos municipais.

 

Claramente, a contratação estratégica municipal e a capacitação no domínio da RSE estão ligadas. A contratação é potencialmente uma ferramenta poderosa para influenciar diretamente as ações, as práticas e os resultados mediados pela RSE. Os municípios têm de facto o controlo da situação. Enfrentar de forma arrojada e criativa os principais obstáculos promete dois resultados inter-relacionados. Guimarães (PT) demonstra como podemos aspirar a alcançar uma situação local mutuamente vantajosa para todas as partes interessadas, a nível empresarial/económico e social/comunitário, em termos de resposta às necessidades de forma rápida, competente e eficaz. Vamos chamar a isto ´uma situação de pequena vantagem mútua´. No entanto, se olharmos para Nantes (FR), podemos ser ainda mais ambiciosos. Podemos projetar uma ´situação de grande vantagem mútua´, alinhando as nossas práticas urbanas coletivas com o alcançar dos nossos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável global.

 

Este artigo demonstrou o valor de considerar em conjunto a capacitação dos municípios no domínio da RSE e a contratação estratégica municipal. Portanto, o envolvimento mútuo, a aprendizagem conjunta e a capacitação partilhada devem ser intensificados nos desafiantes anos pós-pandemia. Uma melhor comunicação nos dois sentidos seria um ponto de partida, bem como um debate mais sólido do ponto de vista conceptual. Neste contexto, iniciativas comuns podem produzir poderosas mensagens partilhadas com as partes interessadas e o público em geral - talvez já no nosso evento de divulgação da CITIES4CSR que decorrerá em Bruxelas, em 30 de junho e 1 de julho de 2022!* Formatos de projetos longitudinais e estratégicos, tanto locais como transnacionais, devem ser o objetivo final. Vamos desbloquear juntos o potencial da contratação estratégica para que o progresso social e ambiental, tão necessário, aconteça já!

 

 

Saiba mais sobre o apoio do URBACT às cidades que procuram melhores formas de adquirir bens e serviços - com artigos, conselhos práticos e um curso online gratuito sobre contratação estratégica: URBACT strategic procurement Knowledge Hub. 

 

 

*Nota: Entretanto, este evento já aconteceu. Saiba mais aqui.

Submitted by URBACT on 02/11/2022